Política

‘Não posso condenar o meu povo a viver no meio da floresta’


A deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), de 47 anos, está na contramão de tudo o que a esquerda prega sobre os indígenas. Nascida na tribo Waiãpi, no Amapá, Silvia teve de sair de casa aos 6 anos para fazer uma cirurgia. Foi mãe pela primeira vez aos 14 anos, viveu nas ruas, foi estuprada, mantida refém, passou fome e sofreu duas tentativas de assassinato.

Se dificuldades atrapalham a vida do brasileiro, as que Silvia enfrentou não a impediram de ser tornar a primeira mulher indígena a se formar no Exército. Diferentemente do imaginário comum sobre o indígena, a parlamentar possui dezenas de formações: defesa química, biológica e radiológica nuclear; política estratégica pela Escola Superior de Guerra; transporte aeromédico, liderança estratégica pela Escola de Comando do Estado Maior do Exército; salvaguarda e segurança pela ONU e tantas outras.

“Só porque sou indígena não posso ser isso tudo?”, interpelou Silvia em entrevista a Oeste. “Não posso condenar o meu povo a viver no meio da floresta o tempo inteiro. Os indígenas de esquerda que estão no parlamento tomam banho de água quente, tomam água gelada, pedem comida pelo iFood, mas querem que o seu povo viva em 1.500. Eu não. Quero que o meu povo tenha a mesma condição e oportunidades que eu.”

Na entrevista, a parlamentar — que foi excluída da bancada indígena da Câmara por ser de direita —, comentou o relacionamento com os colegas da Casa, suas principais pautas, sobre o sequestro da esquerda na pauta indígena, avaliou a criação de um Ministério dos Povos Originários e muito mais. Leia os principais trechos da entrevista.

Como é ser uma mulher indígena e conservadora no Congresso?

Já seria um borbulhar de emoção independentemente de qualquer aspecto político, pois estou rompendo com um ideal imaginário. As pessoas têm uma concepção formada sobre o indígena. Uma concepção poética e histórica. Para que eu seja eu mesma, preciso estar nua, não dominar bem a língua portuguesa e viver com dificuldade de acesso. Quando uma mulher indígena chega em um parlamento com uma formação acadêmica tão vasta e discursa de igual para igual, isso amedronta a todos. Como uma boa política preciso entender o que se passa na cabeça das pessoas e contrapor o discurso contrário a minha presença. Ser uma parlamentar indígena de direita é um grande desafio.

Existe um sequestro da esquerda na pauta indígena?

Sim. Quanto mais classes e quanto mais divisão, mais fácil é de dominar esse povo. Sou indígena e se eu sou a verdadeira brasileira ou a herdeira desta terra, por que tenho que viver tão pobre e miserável? Não posso mudar a história, mas posso conviver com ela para que isso não ocorra novamente. Então, por que não dar oportunidades para que os indígenas sejam tão bons quanto a sociedade comum? Nos EUA, os indígenas passaram por um processo histórico doloroso de colonização. Mas hoje eles são ricos e bem sucedidos. Por que somente os indígenas brasileiros têm de se manter em extremo isolamento? Em 1.500, o meu povo não dominava as principais tecnologias da época, como a navegação e a pólvora. Eles foram surpreendidos por caravelas e armas de fogo, por isso foram subjugados. Como eu, no século XXI, dominando todas essas teorias, vou querer que o meu povo viva em 1.500? Para eles continuarem vivendo essa vida que beneficia quem lucra com eles? Eu lucro com a minha vida. Estudei e antes de chegar aqui tinha uma profissão. Por que o indígena não pode lucrar com a sua condição nesse século? Ou ele terá de viver em 1.500? O meu discurso é completamente diferente dos discursos dos demais parlamentares indígenas. Tenho o discurso daqueles que querem ser livres e que acreditam que são tão bons quanto a sociedade. Represento o indígena produtor, que pertence ao agro, que planta nas suas terras, que gira a economia local e que ajuda a pagar por sua segurança e saúde.

Na semana passada, a senhora disse nas redes sociais que foi excluída de uma frente parlamentar indígena na Câmara. Como é a sua relação com os demais deputados indígenas de esquerda?

Existe uma frente parlamentar mais antidemocrática e ilegítima do que essa? Eles não estão abetos para o debate. Eles execram, isolam e rejeitam. A quem estão defendendo? Eles se recusaram a conversar comigo. Sempre citei eles com muito carinho, dizendo que todas as pautas que vão beneficiar os povos indígenas eu estaria de acordo. Não tenho nenhuma relação próxima com qualquer um deles, mas sempre estarei pronta para o diálogo. Tive um excelente diálogo com a deputada Juliana Cardoso (PT-SP), uma parlamentar com uma experiência na política muito maior do que a minha. Fomos para um debate juntas e não precisamos nos digladiar. Cada uma falou da sua pauta. É o povo quem vai analisar o discurso.

A senhora concorda com a existência de um Ministério dos Povos Originários?

Isso é apenas uma cortina de fumaça para desvirtuar o que realmente deve ser feito. Eles deveriam fortalecer as secretarias que já existiam para os povos indígenas, a Funai, a secretaria da igualdade racial, etc. É preciso criar outro ministério para onerar o sistema público com imposto? É apenas um faz de conta. No governo anterior, todos aqueles que assumiram como secretários e ministros eram tecnicamente preparados para a pasta. Qual formação tem a ministra dos Povos Originários? Se o nome é “Povos Originários” também é preciso colocar o ribeirinho, o quilombola, o homem da floresta, o coletor de açaí, o castanheiro e as marisqueiras. Todas essas são pessoas que vivem no meio anterior a origem. Esse ministério existe apenas para atender alguns interesses, que vão blindar uma questão política e impedir o desenvolvimento do Brasil.

A senhora pertence ao mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Acredita que ele negligenciou a pauta indígena nos quatro anos de governo? 

Jamais. Inclusive, o governo tentou agir muitas vezes com o implemento de políticas públicas, mas fomos proibidos. Em um período em que estava havendo muitos suicídios nas terras indígenas de Rondônia, eu e a equipe do Ministério da Mulher tentamos entrar no local, mas fomos proibidos pelo Ministério Público. Estávamos levando duas indígenas Zuruahã. O motivo da proibição é que ambas eram evangélicas. Elas estavam indo como tradutoras. Foi mais importante deixá-los morrer do que alterar a cultura e salvá-los? Quando a ministra Damares Alves assumiu o mandato como dirigente da pasta, ela foi atacada dezenas de vezes. Tudo isso para ela não agir. Já estive na reserva ianomâmi e socorri crianças que seriam sacrificadas pelo próprio povo. Fui dar a elas a oportunidade que tive. Nenhuma cultura deve ser superior ao direito da vida. Não devemos sacrificar pessoas em nome de uma cultura.

Leia também: “O outro lado do drama ianomâmi”, reportagem de Joice Maffezzolli para a Edição 150 da Revista Oeste.


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