Maternidade motiva jogadora de basquete a buscar novas conquistas
Aos 27 anos, a ala Thayná Silva, do Sodiê/Mesquita, equipe da LBF (Liga de Basquete Feminino, principal competição de basquete feminino do país), acumula conquistas individuais de dar inveja. Tem dois prêmios de MVP (Jogadora Mais Valiosa), sendo também cestinha do campeonato em 2021 e 2022, além de convocações para a seleção, tanto na modalidade mais conhecida do público quanto no 3×3, recém-instaurado como esporte olímpico. Tanto sucesso vem servindo como combustível para uma série de mudanças ao redor dela, que envolvem a família, o time da atleta e até mesmo o basquete no estado do Rio de Janeiro.
Na idade de Thayná, entende-se que o atleta de basquete está em seu auge físico, ou seja, provavelmente na melhor fase da carreira. Isso se aplica à jogadora, mas no meio do caminho o corpo de Thayná passou por percalços que tornariam completamente compreensível se ela não estivesse rendendo em quadra.
Em 2019, ela sofreu um acidente de moto que deixou várias marcas nas pernas. Pouco depois, engravidou da primeira filha, Aylla, que chegou a um mundo ainda em baque pela pandemia de covid-19.
“Depois que tive minha filha, pensava que não ia conseguir time nenhum para defender”, diz Thayná.
Thayná, que havia estreado na LBF na temporada 2018 jogando pela equipe de São Bernardo, recebeu proposta para jogar bem mais perto de casa. Cria de Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio, ela fechou com a LSB, equipe oriunda de uma liga de basquete amador de mesmo nome no Rio. Posteriormente, o time se mudou para Mesquita, município na Baixada Fluminense, e foi rebatizado como Sodiê/Mesquita.
Em maio de 2022, na reta final da primeira fase, depois de dois anos consecutivos dominando a liga, ela sofreu uma ruptura no tendão de Aquiles, uma das lesões mais comprometedoras para a performance no basquete. No entanto, ela estava pronta para retornar em março deste ano, no início da temporada atual da LBF. Nos primeiros jogos, ainda com poucos minutos, teve dificuldades para manter a eficiência. Mas no momento, depois de dez partidas, alavancada por uma atuação de 33 pontos na quinta rodada diante do Unisociesc/Blumenau, ela figura como a principal cestinha do campeonato, com média de 18 pontos por partida.
“Tenho trabalhado muito nessa recuperação. Mesmo com o campeonato rolando, tenho feito muita academia, fortalecendo essa perna. Acho que agora estou um pouco mais tranquila e confiante, não tenho mais aquela insegurança de correr”, revela.
Para ajudar a aplacar as inseguranças dentro de quadra, Thayná tem como fator motivador aquela que foi a melhor notícia nesses últimos anos que mais pareceram uma montanha-russa. Aylla, hoje com três anos, é a paixão da atleta, que passa a semana em Mesquita treinando sem poder estar o tempo todo com a filha, que frequenta uma creche em Padre Miguel. Quando o assunto é definir o principal objetivo para a carreira, a resposta passa também pela menina.
“Meu sonho é buscar uma experiência fora do país. Quero ter essa maturidade de procurar outras linguagens, conhecer uma nova cultura. Jogar em uma primeira divisão de Portugal ou Espanha”, declara.
Ao leitor que não acompanha o basquete feminino pode parecer estranho que ela afirme isso enquanto atua por uma equipe brasileira, mas os calendários do basquete internacional permitem que, na prática, uma atleta consiga jogar duas temporadas em apenas um ano, uma no exterior e outra no Brasil. A ambição profissional poderia justificar por inteiro o sonho de Thayná, mas os motivos vão além disso.
“Quero oferecer à minha filha o que não tive. Essa experiência representaria isso. Se tiver esta oportunidade, e ela puder ir comigo, será incrível”, diz, às lágrimas.
Irmã retornou às quadras após dez anos
Thayná pode ser a figura com mais projeção no basquete na família, mas não foi a primeira. A irmã Thamara, um ano mais velho que ela, foi a pioneira. Depois de jogar por Fluminense e Mangueira, se mudou para Jundiaí para seguir se aperfeiçoando nas categorias de base do basquete. No entanto, quando tinha 18 anos, antes de se profissionalizar, desistiu do sonho justamente quando a irmã mais nova seguia seus passos e se mudava para São Paulo. O vilão da história: o corpo. Ela já havia operado o joelho e rompido o tendão de Aquiles, curiosamente a mesma lesão que Thayná sofreu no ano passado.
“Não estava me sentindo bem, por questões pessoais. Fiquei longe de casa por muito tempo, fui morar em São Paulo aos 15 anos. Foi bem difícil decidir vir embora quando ela estava indo. Mas eu precisava daquilo naquele momento. Foi uma das decisões mais difíceis que já tomei”, opina Thamara.
Por dez anos, ela deixou o sonho e a frustração em stand-by. Terminou os estudos e trabalhou, primeiro como modelo plus size e depois em uma empresa de telefonia. O basquete, volta e meia citado em conversas informais, permaneceu próximo. Ao ter o contrato encerrado no último emprego, no fim do ano passado, ela venceu o medo de voltar a ser atormentada por lesões e resolveu retornar às quadras. O Sodiê/Mesquita, clube do estado onde nasceu e cresceu e no qual a irmã se tornou um nome grande do basquete nacional, abriu as portas para ela, enfim, jogar basquete profissionalmente.
Aos 28, ela se vê no ambiente para o qual carregou a família quase duas décadas atrás, hoje dominado pela irmã mais nova, que a tinha como inspiração.
“O basquete mudou muito desde a época de minha parada. Minha irmã tem sido uma referência em várias questões, me ajudando bastante. Ela está sempre focada, querendo mais. Isso me traz um sentimento de querer melhorar. A dedicação dela me faz querer mais”, afirma Thamara.
A luta para cultivar o basquete do Rio
As performances individuais renderam a Thayná diversas premiações desde que voltou a jogar no Rio, mas a equipe que defende ainda rema contra a maré para transformar isso em melhores resultados na classificação. O Sodiê/Mesquita, cuja melhor campanha foi um quinto lugar em 2021, luta contra equipes com mais tradição no basquete feminino nacional. O Sampaio Correa, três vezes campeão da LBF, é considerado a principal potência do campeonato, que tem também seis equipes de diferentes municípios do interior paulista. O Unisociesc/Blumenau, de Santa Catarina, completa a lista dos oito participantes da competição.
Há anos, o basquete carioca ocupa um papel de coadjuvante no cenário nacional de clubes, sem representantes na LBF ou com apenas um, como tem sido desde a chegada da LSB/Sodiê/Mesquita. A equipe vem tentando mudar isso pouco a pouco. A Arena Sodiê, acanhado ginásio onde o time manda seus jogos na LBF, em Mesquita, até o ano passado recebia apenas convidados, que ficavam sentados em cadeiras à beira da quadra. Para esta temporada o clube inaugurou uma pequena arquibancada com capacidade para 300 pessoas, que serve como um caldeirão em dias de jogos. Há planos para expandir o espaço, que ainda está em obras.
Ter uma MVP no elenco é uma oportunidade de ouro para crescer em relevância e atrair a atenção do público. O sucesso de Thayná pode ser a ferramenta para isso. Em certos casos, ela é, literalmente, a cara do time.
“Tem a minha cara por Mesquita toda em anúncios”, admite a jogadora aos risos.
Thayná também tem tentado ser a voz e o corpo de uma mudança que não se sabe se vai chegar, mas que vale a pena correr atrás.
“Trabalhamos em prol das comunidades que ficam aqui ao nosso redor. Vamos nos colégios para poder buscar as meninas. A situação no Rio é muito precária. Infelizmente, só tem a gente. Base, aqui, não tem. Ter nosso clube como referência tanto na Baixada quanto na capital me deixa ainda mais motivada para conseguir isso”, declarou Thayná.